Enquanto denúncias de violações ganham visibilidade, plano da presidente do STM tenta reconstruir pontes com comunidades indígenas e reforçar a integridade institucional.
Um novo episódio envolvendo as Forças Armadas brasileiras reacende o debate sobre a relação entre instituições militares e os povos indígenas. Segundo denúncias recentes, oficiais teriam desrespeitado práticas culturais e direitos territoriais de comunidades tradicionais durante operações em áreas sensíveis da Amazônia Legal. O caso traz à tona não apenas a tensão histórica entre militares e indígenas, mas também expõe fragilidades na gestão institucional e no controle ético da atuação militar.
Diante da repercussão, a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, anunciou que está desenvolvendo um plano de ação para lidar com a crise. O objetivo é duplo: assegurar que os militares compreendam e respeitem os direitos dos povos originários e evitar que a imagem das Forças Armadas continue sendo desgastada por episódios incompatíveis com o papel constitucional da instituição.
O episódio reforça o quanto ainda é urgente aprimorar a governança da atuação das Forças Armadas, especialmente em territórios indígenas, onde o Estado brasileiro tem obrigações específicas, reconhecidas em tratados internacionais e na Constituição Federal. O desafio de compatibilizar operações de segurança nacional com os direitos das comunidades tradicionais exige planejamento, escuta ativa e formação adequada dos quadros militares.
A ministra do STM propôs a criação de uma cartilha de conduta, programas de formação em direitos humanos e treinamentos focados na interação com populações indígenas. Para ela, os casos de desrespeito não podem mais ser tratados como “desvios individuais”, mas sim como falhas sistêmicas de gestão organizacional e de cultura institucional.
Os casos relatados incluem invasões de territórios sem consulta prévia, desconsideração de rituais tradicionais e uso de força incompatível com o contexto. Organizações indígenas e de direitos humanos cobram investigações e punições. O Ministério da Defesa, por sua vez, ainda não apresentou resposta pública clara, o que acentua o vácuo de comunicação institucional.
Especialistas em gestão pública destacam que o controle externo das Forças Armadas é uma das áreas mais frágeis da democracia brasileira. A autonomia militar, muitas vezes, gera dificuldades para a responsabilização de condutas incompatíveis com os padrões democráticos. E isso se agrava em regiões onde o Estado já atua de forma intermitente ou ausente.
Do ponto de vista da gestão estratégica, o episódio representa risco reputacional elevado. A percepção pública de que os militares atuam acima das regras — especialmente em relação a grupos historicamente vulnerabilizados — mina a confiança na capacidade do Estado de oferecer proteção e justiça de forma igualitária.
A proposta do STM pode ser o primeiro passo rumo a uma nova política de relacionamento entre os militares e os povos originários. No entanto, sem adesão ativa do Ministério da Defesa e das altas patentes, qualquer medida corre o risco de se tornar simbólica ou inócua.
Organizações indígenas querem participação direta na formulação das medidas corretivas. Para elas, uma política de gestão eficaz não pode ser construída de cima para baixo, mas sim por meio do diálogo, escuta e respeito às especificidades culturais.
A crise revela também a necessidade de criar mecanismos permanentes de monitoramento e avaliação da atuação militar em áreas sensíveis. Isso inclui sistemas de ouvidoria independentes, auditorias externas e relatórios de impacto social — instrumentos que já são adotados em outras áreas da administração pública, mas ainda escassos no âmbito militar.
Enquanto o governo federal evita se posicionar de forma contundente, cresce a pressão internacional para que o Brasil respeite os direitos dos povos indígenas em todas as frentes institucionais. O silêncio oficial pode ser interpretado como conivência ou omissão, o que prejudica a imagem do país em fóruns globais de direitos humanos.
A ministra Elizabeth Rocha também deve propor um comitê interinstitucional, com presença de membros do Judiciário, da sociedade civil e de lideranças indígenas, para acompanhar o desdobramento dos casos e garantir que a resposta institucional tenha continuidade — e não apenas um efeito passageiro.
O desafio é transformar uma crise de imagem e legitimidade em uma oportunidade de mudança estrutural. A gestão de relações com povos tradicionais, sobretudo por forças estatais armadas, exige mais que boas intenções: requer protocolos, transparência, fiscalização e compromisso com valores democráticos.
O caso mostra que o Brasil precisa urgentemente repensar os limites, atribuições e mecanismos de controle de suas instituições militares — sobretudo quando em atuação fora dos quartéis. E, acima de tudo, precisa compreender que não se trata apenas de segurança: trata-se de dignidade, respeito e justiça.